Geografia no Riacho São José: construindo uma tese de cenários por mãos colaborativas
Por Ana Maria Severo Chaves
A Geografia encanta por sua multiplicidade ao abordar a relação entre sociedade e natureza, uma relação interdisciplinar que norteia o seio desta ciência.
A escolha pela Geografia foi uma escolha (ir)racional de trilhar o ensino superior, que me conquistou em suas possibilidades. Ao ser aprovada, antes de adentrar nesse mundo, já tinha sido avisada das possibilidades a serem vivenciadas: ensino e pesquisa. Fui uma graduanda curiosa e inquieta; desde o início busquei me inserir nos grupos de estudos existentes, até me estabelecer no Grupo de Estudos Sistêmicos do Semiárido do Nordeste - GESSANE, liderado pela professora Dr.ª Maria Betânia Moreira Amador (In Memoriam), onde iniciei as primeiras pesquisas no contexto sistêmico da Geografia Ambiental: 2 pesquisas de iniciação científica e uma extensão universitária.
Durante a graduação, as bases sólidas de uma pesquisadora - desenvolvidas graças às políticas públicas universitárias para o ensino - pesquisa e extensão, foram se construindo e me levaram ao mestrado acadêmico. Uma alegria imensa ao conseguir ser classificada em primeiro lugar no programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Sergipe - PPGEO/UFS!
O mestrado foi tranquilo, compreendendo um
delineamento na formação dentro da relação entre Geografia Ambiental e a
Geografia Física, com ênfase na Biogeografia (que, segundo Figueiró (2015), é a
área de conhecimento interdisciplinar entre a geografia física e a geografia
humana), mantendo como campo de estudo a cidade e a fitogeografia urbana,
saindo de cidade pequena (Correntes-PE) para uma cidade de porte médio
(Garanhuns-PE). A mudança de escala não foi problema e a dissertação ficou
pronta no prazo, alguns meses antes, a tempo de, no ano de 2016, eu realizar a
seleção para o doutorado da mesma instituição.
Aprovação no doutorado e a chegada no Grupo Vale
do são José
O doutorado é uma pesquisa ampla, que demanda muita dedicação, por esse motivo deve representar sua escolha de pesquisadora e também de futura professora. "O que você vai pesquisar Ana, em qual área pretende atuar no leque de possibilidades da Geografia?" -essa foi a pergunta e reflexão feita por minha amiga e orientadora, Professora Drª. Rosemeri Melo e Souza.
Na tentativa de responder a essa pergunta e escrever o projeto de seleção, emanou em mim o sentimento de pertencimento ao estado de Pernambuco, assim minha pesquisa precisava ser lá. Depois, delineando as possibilidades metodológicas da abordagem integrada no estudo da paisagem pelos enfoques da Geoecologia, decidi que iria trabalhar com as potencialidades paisagísticas com vistas à construção de cenários futuros no Agreste de Pernambuco. Ao delimitar a área de estudo, pensei na bacia hidrográfica, por ser um sistema aberto de interações ambientais delimitada, natural, um espaço representativo localmente, com identidade e possibilidades interdisciplinares para o estudo da estrutura, função, evolução e interações paisagísticas. E a lembrança de um pesquisador interdisciplinar da época da graduação me veio à mente: Alexandre - a quem eu já conhecia e, de forma indireta, acompanhava o grupo por ele liderado, o Grupo de Pesquisa Vale do São José.
Como a pesquisa pensada compreendia aplicações
metodológicas, a bacia do Riacho São José se apresentou como uma área de
pesquisa perfeita, além de já ser conhecida localmente e também no contexto
acadêmico da Universidade Federal de Sergipe.
Conhecendo o vale e pesquisando de forma colaborativa na prática e no campo
Ao realizar o
primeiro campo para conhecer a equipe do Grupo de Pesquisa Vale do São José,
encontrei historiadores, biólogos, engenheiros agrônomos e outros
pesquisadores. Naquele momento, entendi que o trabalho seria interdisciplinar e
colaborativo, pois uma tese de cenários pela ótica dos enfoques da Geoecologia
se constrói por muitas mãos. Não falo em sua escrita total, mas sim no apoio,
suporte, acolhimento e inúmeras colaborações. Embora, em muitas etapas, seja um
desafio solitário escrever um documento de tese, fazer parte do grupo me
ensinou que mãos se apoiam, olhares se cruzam, cenários se traçam e
colaboram-se.
Imagens: pesquisa de campo
FONTE: Chaves (2017, 2018, 2020).
Graças ao apoio recebido, logístico e de acolhimento, a tese se materializa. Nesse processo, me estabeleço como pesquisadora e professora de Geografia, com atuação no contexto integrativo da Geoecologia, uma profissional que aprendeu na prática conjunta do Grupo de Pesquisa Vale do São José a ser interdisciplinar. A tese ganhou o título de produto destaque no programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Sergipe.
Construindo os cenários
Cenários preditivos na literatura compreendem a probabilidade de como a realidade pode se apresentar no futuro. A perspectiva de cenários preditivos adotados para a bacia do Riacho São José foi prospectiva com vista a conservação da paisagem, ou seja, a descrição de possibilidades de como o futuro pode se apresentar a partir de hipóteses plausíveis, tendo por base as áreas de proteção permanente (APP) dos cursos hídrico e a legislação.
Não se trabalhou com a perspectiva projetiva, por esta entender que o futuro seria algo estático, objetivo e quantificável. Aqui, acredita-se que as ações humanas podem desenvolver situações que melhoram a realidade futura. Nesse sentido, pode-se ter cenários realistas que levam em consideração apenas a realidade atual, sem ações concretas para mudá-las e cenários prospectivos que mostram possibilidades de como o futuro pode ser ideal, melhorado, quando ações conscientes são tomadas.
Nesse contexto, os cenários construídos para a
bacia do Riacho São José revelaram que se se mantém o padrão de cobertura e uso
da terra do ano de 2015. Em 2025 e 2035, tende a aumentar as áreas de solo
exposto e degradadas e não é possível recuperar a vegetação das APP. Já quando se
pensa por meio de tomada de consciência da importância das APP, adiciona-se
variáveis que buscam conservar esses espaços. Em 20 anos, as APP podem ser
recuperadas e ficam disponíveis ao uso múltiplo de seus serviços
ecossistêmicos. Sobre os serviços ecossistêmicos, em estudo preliminar foram
constatados 51 tipos desses (CHAVES et al.,
2021).

Cenários prospectivos
da bacia do Riacho São José, 2021.
Os cenários construídos são resultados de uma tese construída por mãos interdisciplinares e colaborativas, compartilhamento de conhecimentos, diálogos e construção de laços.
Para fechar - acreditando nas palavras de Paulo Freire -, enquanto ser humano, busco ser mais, e na pesquisa e atuação profissional não é diferente: muito pretendo ainda estudar e pesquisar na Bacia do Riacho do São José e, claro, levar essas aprendizagens para minha atuação profissional. A vida é um processo!

