Glória ao deus Serpente Emplumada K'uk'ulkan
Por Alexandre Teixeira

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Antes de adentrar no assunto principal desse texto, o filme Pantera Negra: Wakanda Para Sempre, especificamente o personagem Namor, é preciso evidenciar uma coisa: eu não sou crítico de cinema e nem pretendo aqui tecer comentários sobre o filme como se o fosse. Sou um fã, alguém que gostou do filme e da abordagem, sou um professor que levava filmes de super-heróis para meus alunos e dissecava, desconstruía e problematizava o filme em sala de aula. Já faz algum tempo desde que assisti ao filme, que tenho pensado em falar e, nesse caso escrever, sobre o assunto.
Na infância, eu era fã de super-heróis, como a maioria das crianças, presumo. Nasci em uma família pobre, em uma cidade no interior de Pernambuco, cidade essa que possui nome indígena - Caetés, palavra que significa algo como "Mata Forte", "Mata Fechada", algo assim. Nessa pequena cidade em que a pobreza parecia tão corriqueira e dominante que meu núcleo familiar, apesar de pobre, até parecia estar entre os menos pobres, ao menos na percepção de algumas pessoas que rememoram o passado com menos entusiasmo que eu, a parabólica lá em casa quando chegou eu já era grandinho. Mas, enfim, por que isso é importante aqui? Porque quando minha mãe se deslocava eventualmente até a cidade vizinha para resolver questões de negócios ou fazer compras, ela trazia revistas ou histórias em quadrinhos (HQs) para mim. Eu era uma criança leitora, embora a escola não fosse o espaço mais atraente para mim; preferia o meio do mato e ainda prefiro.
Entre as revistas que costumava ler - e mais tarde, com acesso à internet e uma maior facilidade em ler a íntegra das histórias em quadrinhos que só conhecia parcialmente - e os desenhos que assistia na TV aberta, quando a precária parabólica deixava, me deparava com o personagem Namor, cujo conceito é legal, mas meio batido - era o "Aquaman da Marvel", apesar das diferenças e de um background original e muitas vezes até mais interessantes que a sua contraparte da DC Comics, nunca me chamou atenção. Era legal, mas nem tanto, embora importante para muitas tramas da Marvel nos quadrinhos.
Mal sabia eu, Namor ganhou sentido e uma profundidade que jamais teve antes, pois trouxe com sua versão do cinema um certo ar de representatividade. Enfatizo que isso é minha opinião; ele sempre foi importante e uma das mentes mais brilhantes da Marvel nas HQs, mas agora ele é Indígena, seu povo o chama de K'uk'ulkan: o deus Serpente Emplumada, uma referência à divindade das populações indígenas mesoamericanas cultuado no passado, um super-herói de pele morena, fenotipicamente indígena, interpretado por um ator latino muito engajado politicamente, sobretudo no que diz respeito às questões raciais. Confesso que eu não estava preparado para a versão do personagem adaptada para o Universo Cinematográfico da Marvel (UCM), no meu gosto a melhor adaptação de um personagem dos quadrinhos para o cinema.
Tenoch Huerta, ator mexicano de 41 anos que deu vida ao personagem Namor, rei do império submarino de Talokan, fez uma declaração fantástica após a estreia de Pantera Negra: Wakanda Para Sempre: "eu sempre interpretei bandidos, marginais, agora eu sou um super-herói, isso ninguém me tira". Em muito tempo um filme não despertava sentimentos em mim como rolou quando assisti duas vezes, duas nações majestosas: uma utopia africana, Wakanda, e uma utopia ameríndia, Talokan; dois lugares mágicos, prósperos e potentes. É legal se sentir representado em algo. Tudo bem, é a abordagem da cultura pop, é a abordagem da Marvel tão criticada por alguns especialistas em cinema - o próprio Tarantino o fez; quem sou eu para refutar uma crítica de Tarantino a respeito do cinema? Bem...ninguém, mas gostei demais do que vi no cinema.
Ao assistir por duas vezes ao segundo filme do Pantera Negra, não parava de pensar: "caramba! Se eu ainda estivesse dando aula, daria um jeito de levar esse filme até meus alunos", caso, naturalmente, não fosse possível levá-los ao cinema. Referências históricas, conceitos importantes tratados em uma linguagem que os estudantes gostam e têm uma facilidade de entender e mais, um filme de super-heróis com pessoas negras e indígenas por todos os lados sendo protagonistas, críticas à colonização e ao racismo. "Mas professor, existem filmes melhores, existem mídias melhores"; gente, não! É algo legal demais, que faz sucesso, bem feito, algo que - conhecendo jovens como conheço - tende a surtir mais efeito que outros materiais. A desconstrução da obra e a explicação das referências pode ser mais proveitosa, só a experiência de assistir já faria toda diferença, mais do que o exaustivo exercício de dar uma aula ou assistir a uma. Uma boa aula com profundidade e referências é fundamental, ainda mais se tratando de temas tão importantes como raça, racismo, colonialidade, imperialismo. Mas garanto, com alguma experiência que tenho em sala de aula: usar esse filme ajudaria muito no processo. Fiquei pensando muito nisso, no quão bacana seria dar uma aula com esse filme. Se eu consegui com Vingadores: Guerra Civil, com certeza eu conseguiria com Pantera Negra: Wakanda Para Sempre.
Eu queria ter tido essa experiência na infância, um filme que tivesse protagonistas mais parecidos com as pessoas ao meu redor, comigo, que de algum modo cutucassem a problemática e a complexidade histórica da questão racial, em vez de manter o estereótipo do super-herói branco. No meu gosto, como fã de HQs, desenhos animados e fã do UCM, percebo Pantera Negra: Wakanda Para Sempre com grande destaque para Namor e o povo de Talokan, com toda grandeza que o filme tem. Além de todo clima de homenagem ao ator Chadwick Boseman, que interpretou o Pantera Negra antes de falecer em agosto de 2020, ver mulheres negras e indígenas liderando exércitos e protagonizando é fantástico.
Sou professor de história com mestrado em Culturas Africanas, da Diáspora e dos Povos Indígenas e, atualmente, cursando um doutorado em Antropologia. Sim, assim que eu terminar eu quero e, se tudo der certo, irei voltar para a sala de aula, sendo alguém que, pela própria conjuntura sócio-histórica em que cresci e em que vivo, sou atravessado pela complexidade da temática indígena e das questões raciais em minha vida pessoal. Vejo esse Namor do UCM como um trunfo e o filme Pantera Negra: Wakanda Para Sempre como um ganho. Se a presença do povo de Wakanda já fez toda diferença quando estrearam nos filmes de super-herói, agora o povo de Talokan vem somar a isso. Não sei se eu consigo, com esse texto, expressar todo meu entusiasmo com isso, mas a ficção criou um mundo em que as duas nações mais poderosas da terra são um reino africano e um indígena que colonização não conseguiu destruir e não há nenhuma nação branca que possa pará-los. Isso é maravilhoso!
"O rei e pantera vivem para sempre".

ALEXANDRE TEIXEIRA
Atualmente Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco (PPGA/UFPE) e bolsista da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (FACEPE). É mestre em Culturas Africanas da Diáspora e dos Povos Indígenas (PROCADI-UPE, 2019) e graduado em História (UPE, 2016). Estudante na especialização em Linguagens e Práticas Sociais (IFPE). Foi professor na rede municipal de educação de Caetés-PE de 2013 a 2018. Membro do grupo de pesquisa Vale do São José (Caetés-PE). Também é integrante do DEVIR - Grupo de Pesquisa em Religião, Contemporaneidade, Morte e Imagens vinculado ao Programa de Pós Graduação em Antropologia da UFPE.

