Observando a comunidade quilombola Atoleiro e revisitando memórias

06/04/2022

Por Daniele Bernardo

Pesquisando o familiar: uma comunidade conhecida e revisitada com um novo olhar 

Quando iniciei a graduação em História na Universidade de Pernambuco​ -​ campus Garanhuns, em 2015, vindo de escola pública e sendo resultado de políticas públicas que permitiram filhos de agricultores, assim como eu, terem acesso ao ensino superior, a universidade me despertou várias inquietações durante o curso, seja pelos movimentos de ocupação, do qual participei pelos longos e duros dias de mobilizações, pela participação no coletivo negro da UPE ou pelas perspectivas que acessei durante a graduação para que eu pudesse atender ao que penso e acredito sobre a educação e pesquisa. Até então não fazia ideia dos caminhos de pesquisa que iria trilhar, embora já tivesse um grande interesse em me voltar para a comunidade na qual meu pai cresceu, pois eu sempre ouvia suas narrativas sobre a comunidade e aquelas pessoas me eram familiares, no sentido de família mesmo. A criança que tentava imaginar aquele espaço em outros tempos até então não sabia o olhar que a academia teria sobre o mesmo, sobre as pessoas e sobre si mesma. 

Fazer uma pesquisa etnográfica numa comunidade que me era familiar foi uma experiência enriquecedora academicamente, mas também um processo de despertar minha própria identidade. Optar pela etnografia proporcionou união entre a pesquisa e o contato com as pessoas e seus relatos; construir uma análise sobre as práticas e experiências identitárias numa escola de comunidade rural e quilombola foi a oportunidade de observar a aproximação da teoria de que fui munida na graduação com a prática na realidade do cotidiano escolar. 

Práticas e experiências identitárias no ambiente escolar

A decisão pela etnografia em ambiente escolar surgiu do interesse pelas pedagogias de afirmações que pudessem ser fator primordial para a manutenção cultural e para o despertar da identidade daquela comunidade, como de fato foi constatado. Os esforços da escola nesse processo foram observados pelos diversos projetos que surgiram na escola ou com a juventude local e que evidenciam a importância de se promover o conhecimento como ferramenta para que se desperte nas crianças, jovens e adultos a percepção da importância de seu espaço e suas manifestações culturais - no caso da comunidade Atoleiro, o Samba de Coco Santa Luzia, a banda de pífanos e os grupos recentes, como o Grupo Pérola Negra e o Afroquiato são resultado dos esforços da comunidade quanto a manutenção das expressões de sua cultura. A escola, em seu papel dentro da comunidade, busca fazer o resgate da história local, manutenção da tradição oral e também o incentivo em aproximar crianças a grupos como do Samba de coco, que atualmente é composto, em sua maioria, por adultos e idosos daquela comunidade, mas que, com a iniciativa da escola na criação do samba de coco mirim, tem despertado nas crianças o interesse pelas formas de expressão de sua história e identidade.

Pesquisar em meio a familiares, amigos e conhecidos de longa data ampliou minha visão sobre algo que eu julgava já ter conhecimento. A comunidade possui dinâmicas de organização próprias, as quais tive que passar algumas vezes durante as pesquisas.

Atualmente, tenho me dedicado a observar uma perspectiva diferente da comunidade quilombola de Atoleiro: os critérios e delimitações utilizados para determinar o ser quilombola - um dos desdobramentos que surgiram dessa pesquisa inicial -, e que me colocaram tantas vezes em meio aos questionamentos a respeito da minha identidade. Mas isso é assunto para outros textos e para conversas futuras; por hora, a criança que ouvia todas aquelas histórias tem se realizado na pesquisadora que busca ouvir mais pessoas daquela comunidade, e tem se visto em muitas dessas histórias.


Daniele Bernardo
Lattes: https://lattes.cnpq.br/5947447013138325
Possui Licenciatura em História pela Universidade de Pernambuco e desenvolve pesquisas em História e Antropologia, com ênfase nas Culturas afro-brasileiras.

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