Sujeitos silenciados: a nossa história que não querem contar
Por Emanuel da Silva Oliveira
Imaginem uma história sobre guerras, importantes personagens que eram homens brancos cis héteros, sujeitos vistos pelos historiadores como detentores do poder de escrita da história à medida que estigmatizavam os outros. Colonizadores eram chamados de desbravadores; violência com os nativos era chamada de conquista; abuso sexual de mulheres era chamado de povoamento; a destruição dos deuses dos outros em imposição ao deus judaico-cristão era conceituada de salvamento da alma dos "bárbaros", isto é, aqueles que não falavam a língua do império dominante. Mas não reclamem, pois aconteceu um avanço importante: o campo progressista venceu, agora os negros da terra também seriam detentores de almas!
O roubo dos patrimônios histórico arqueológicos dos povos colonizados era tratado como preservação, visto que a cultura deles não seria capaz de preservar algo tão raro. Imaginem vocês: Indiana Jones chega 5 mil anos depois da construção de um artefato da crença dos nativos e o leva para o ocidente, "pois ali não teriam como preservarem", e eles tinham criado um espaço a menos de 3 séculos para exibir todas as coisas valiosas dos outros e deles próprios roubados ou não, que o chamaram de museu, lugar que justificaria a "superioridade" cultural/intelectual dos imperialistas. Vamos fingir acreditar nessa proposta e dizer que os nativos furtados não preservariam seus "patrimônios". Mas sabe por que não? Justamente por esse povo tentar destruir o nosso.
O extermínio que aconteceu e acontece ainda hoje em países colonizados em todo o mundo é um retrato efetivo da imposição histórica (que não fica apenas no passado) de poderes dos europeus e, mais recente, a extensão EUA e seu imperialismo, em toda a América e manipulação do Oriente Médio.
Essa violência foi em primeiro momento de forma física. Extermínios eram feitos através de armas de fogo e biológicas. Atualmente, para que a dominação seja efetiva, não é mais necessário o "Tio Sam" enviar toda aquela tropa de navios, aviões e tanques de guerra, apresentadas no desenho do Pica-pau (algo bem inocente, não acham?). Só basta que a violência simbólica seja efetiva, que mostre como não somos inteligentes, somos feios, que nossos deuses não tem poder nenhum, que a natureza vale mais morta, que se trabalharmos 12 ou 14 horas por dia para eles seremos felizes novamente, e a não obediência significará ser preguiçoso, fraco, ou vagabundo, pois se nos deixarmos explorar teremos direito a consumir aquele produto superestimulante que mata aos poucos, mas que é viciante, tanto quanto a invenção do dinheiro e a corrida por ele.
Citando Troiullot (1995), o poder começa nas fontes. A história que defendo combate essa "estória" inventada pelo discurso colonial. A história que aqui proponho vai além do apenas identitarismo, de que basta que haja representação para que se faça justiça a esses sujeitos silenciados. A representatividade do outro deve estar alinhada com a exposição dos mecanismos de dominação e opressão que os fazem silenciados na história. Se trata, antes de mais nada, de relação de poder, disputas, conflitos que no micro ou no macro falam de como se dão as violências simbólicas e físicas sobre os outros na história.
Já se perguntaram o porquê de nossas famílias sem brasões, sem sobrenomes importantes, sem heranças poderosas, não terem representações nas narrativas oficiais sobre a história da cidade, do estado, do país? Por que as mulheres não são homenageadas em nomes de praças, ruas, escolas, hospitais? Por que os negros são ensinados a odiar sua cor de pele e cultura de seus ancestrais? Por que os indígenas têm, até hoje em dia, medo de se assumirem em espaços urbanos, incluindo as escolas? Por que pessoas LGBTQIA+ simplesmente são apagadas da sociedade e tratadas como anomalias sociais?
Achou relevantes essas perguntas? Pois é, história nada tem a ver com decorar datas ou nomes de colonizadores. Essas são algumas das verdadeiras questões que nossa sociedade deve responder, e todos nós temos o dever social de não nos abster do debate e finalmente escrevermos nossa história.
Referência:
TROUILLOT, M.-R. O
Poder na estória. In: ______. Silenciando
o passado: poder e a produção da história. Trad. Sebastião Nascimento. Curitiba : Huya, 2016, pp. 19-62.

EMANUEL OLIVEIRA - Professor e Historiador. Doutorando em História pelo programa de Pós-graduação em História Social da Cultura Regional pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) - Campus Recife. Mestre em História também pelo PPGH/UFRPE. Graduado em História pela Universidade de Pernambuco (UPE - Campus Garanhuns). Foi bolsista CAPES durante o mestrado (2018-2020). Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) de abril de 2017 à fevereiro de 2018. Professor Facilitador voluntário pelo Programa Novo Mais Educação (NME), de maio de 2017 à Novembro de 2018. Tem como área de atuação: História Cultural, Memória, e oralidades.
